quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Crônica da Insônia Urbana




“Todo dia ela faz tudo sempre igual...” e eu gostaria que isso fosse somente eu, cantarolando mais uma sucesso do Chico que, aliás, tem aparecido muito das 23 às 5. Mas lá vem ela. Cada dia com uma face; é multifacetada e gosta disso. Tem cara de livro não terminado, de ansiedade pré-encontro, de festa que acabou mal, de preocupações das mais diversas (de trabalhos a amores platônicos). Esses dias aparecer com cara de ‘que pais estou deixando para meus filhos’, vê se pode!
Como coisa urbana, é cinza. Mas tem lá seus muros pichados de cores vivas. A insônia faz parte, mas não é todo dia que ela tem feito arte.
Dia desses, teve a audácia de me acordar e me oferecer um café. Briguei, contei caminhões na Avenida, mas desisti e lá fui, com xícara e caderno em punhos. Feito duas velhas amigas nos abraçamos, ela abriu minha mente e a janela do quarto. No bloco rabiscado, a luz da Lua fez sua parte e, sem limites, freneticamente, minhas mãos deram vida a caneta. Aconteceram textos, diários e confissões; choro, tédio e amores; amores desses que só existem quando o relógio bate as três badaladas da meia noite e quando, já às 5 da manhã, a neblina desce, o amor acaba e acaba também a inspiração. Mas a insônia é resistente.
Começa a guerra: agora ela já não é mais um caso senão de polícia.
Na cozinha, bebendo chá quente, tento afoga-la. Sem sucesso. Sussurrou todo tipo de besteira em meus ouvidos e nem camomila diminuiu meus batimentos cardíacos. Imagine você que disparate! Revirei, contei caminhões, chorei, rezei, até perdoei. E quando, cansada de tanta simpatia para fazer dormir, pisquei mais forte. E ela, a tal insônia que me chamou de amiga, tão cansada de mim quanto eu dela, canta Chico e embala meus sonhos: “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia...”
Que Ironia! Deve ser mesmo um caso de amor.

domingo, 6 de julho de 2014

Do infinito negar ao belo suportar, ela realmente acreditava nas estrelas, mas não nas suas...

     Destemida, ela carregava o mundo nas costas. Achava bonito rir dos sorriso e chorar, mais tarde, longe dos holofotes. Confundia vitória com olhos secos: sentia-se maior quando nenhuma lágrima caía. Não era forte, era covarde, só não havia sido informada, ainda.
    Corria para encrencas e assumia a culpa.
    "Vou mudar o mundo!" - bradava, orgulhosa - mas o único mundo que deveria mudar, o seu, mantinha intocável, impenetrável, sem luz. Do infinito negar ao belo suportar, ela realmente acreditava nas estrelas, mas não nas suas.
     Dia desses até amou. Alto, desengonçado, de aparelho e óculos, era perfeito. Engraçado, culto e quietão, era seu. Mas acabou. Feito tudo em sua vida com a única frase que ela sabia bem:
     "Não é você, sou eu."
      Teve tantos desamores que decidiu que o amor não era para ela. Era bonito nos versos, poesias e músicas, não mais em seu coração. Mesmo assim, ainda tinha seu sorriso, amarelo e meio sem graça, mas sorriso.
     Possuía cinco deles: um para acordar cantando, outro para almoçar agradecendo e os outros três para acontecimentos especiais do entardecer.
     Mas quando as luzes se apagavam, lembrava do fins que já não viam recomeço. Sozinha, chorava e dormia, cantando canções de ninar. De manhã, mais uma vez, escondia o mau humor no espelho, engolia a dor com casca e tudo.
     A menina era forte...ô, se era! De carapaça a postos, sempre, somente o travesseiro a conhecia muito bem. "Bom dia, sol! Boa noite, lua! - dizia sua boca. "Socorro!" - gritava sua alma.
     De tanto se defender, certo dia, acordou e odiou seu cabelo. Quebrou o espelho e reclamou do café. Brigou no trânsito e jogou fora quatro sorrisos, o último não encontrou. Ao meio dia das piores horas de sua vida, ligou a TV. Morte, sangue e fome; destruição, corrupção e uma última notícia sobre uma tecnologia que só atingia parte do mundo. Tantos anos e hoje, na poeira do botão de ligar da TV descobriu sua cegueira. Subestimou o mal e aprisionou sua realidade em seu falso moralismo. Virou as costas para seu mundo, achando que assim, tocaria outros corações. Engano seu, menina!
    Pelas ruas, rastejando suas lamúrias acumuladas viu um bar e pensou em beber. Na porta, tropeçou em um menino de pé no chão que estendia a mão:
    "Moça, tenho fome!" - disse com voz fraca.
     "Todos temos. - respondeu sua amargura - "pude ver pela TV."
     Mas seus pés não obedeceram e as mãos alcançaram as do menino, que sem reação, somente a seguiu para dentro do bar.
     Beberam, comeram e conversaram, em alguns momentos, até se entenderam. Mas era hora de ir. Voltaria para casa, reclamaria em frente a TV, quebraria todos os espelhos; mudaria tudo! Quando viu o menino se afastar, satisfeito e repetindo agradecimentos, quase se esqueceu do último sorriso perdido. No final das contas, ele estava em seu bolso o tempo todo. Tirou-o do bolso e, sem pensar duas vezes, deu a quem realmente merecia. Sorrindo, o menino foi embora.
     O último sorriso era o que ela chama de Verdadeiro.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Nosso palhAÇO de cada dia

Vestido de palhaço, ele entrou correndo no metrô.
Feito imã, atraiu todos os olhares curiosos. Sorriu!
Era que queria. Fez malabarismos até sentir os braços pesarem, arrancou mil sorrisos - 10 em cada vagão.
Quem dormia, perdeu o sorriso do deprimido; quem estava inundado de tecnologia, fez bom uso dela e eternizou cada movimento. Nunca, em tão frio vagão, foi possível assistir tanto calor humano.
Mas ao sair do metrô, sentiu pesar os ombros e jogou longe a fantasia. Despiu-se do lúdico, o piadista, e sem pensar duas vezes, correu ao contrário na Avenida Paulista.
Morreu de chapéu, a única e derradeira cor que lhe sobrou: cinza escuro, sem mais detalhes.
Era primeiro de abril e ele não podia perder a piada.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Me faça peixe...


Porque tantas vezes me perguntaram "o que quer ser quando crescer" resolvi responder, tentei não pestanejar: Quero ser tudo! Artista de circo, cantora e poeta; quero fotografar e voar enquanto corto o cabelo dos astros de cinema; quero um sítio cheio de cachorros, uma piscina de bolinhas coloridas bem funda, quero me afogar nas cores, quero ser astronauta só para colorir a lua, ela anda tão cinza de onde eu vejo. 
Quero ser tudo, menos gente grande!
Quero crescer no tamanho, não nos sentimentos. Não quero aprender a dizer tanto adeus, porque a gente precisa aprender? As coisas vão mesmo embora? 
Não, não quero crescer nos sentimentos, quero amar. 
Tantas nuvens e ninguém lá para procurar figuras, de que adianta se os homens grandes só enxergam a chuva?
Não, não quero crescer. 
Quero meu lápis de cor para mudar os tons da vida, sem tristeza, usando o preto só para colorir e não para desbotar. 
Quero gostar do sol, brincar na chuva e quando o nublado invadir aproveitar sua paz.
Quero contar histórias do meus amigos imaginários. E se não forem imaginários? Talvez eles só precisem das minhas mãos, munidas de caneta e papel, para existirem.
Os adultos são estranhos! São esquecidos, e dizem que é porqueenvelheceram; não tem sentimentos e dizem que é experiência; vivem correndo e chamam isso de evolução. 
Quero ser esquecida das coisas ruins.
Esqueça-me tempo!
Esqueça que meus cabelos precisam crescer e ficarem brancos; esqueça que sou de carne e osso, faça-me fantasia. Deixe-me aqui para sonhar mais 4, 5, 1000 anos sem precisar dormir.
Quero ser sorriso nos lábios de quem não nega um abraço; quero ser asa para todos os amigos...
Quero ser criança! Criança que cresceu no tamanho, não na delicadeza.
Quero ser criança, poetizando a vida a vida inteira. 
Se não pode me fazer criança, "maestro do Universo", me faça peixe. Mas Peixe Grande!


(todos os crédito a Peixe Grande e suas História Maravilhosas - inspiração de noites, dias e sonhos.)





quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Amor em aromas

     A casa era linda. Cheirava a verniz recém passado, e era ali, no cheiro, que Pedro enxergava beleza. Animado, batucava com os dedos sobre os móveis lisos e bem conservados, enquanto a mulher mandada pela imobiliária preparava a papelada. A excitação aumentava a cada papel assinado, até que o último fez seu coração parar.
     Era sua! A casa, o cheiro, a mobília! Tudo!
     A festa de inauguração foi preparada com cuidado e os convidados, escolhidos a dedo. Mas a agitação passou antes que Pedro se desse conta: estava sozinho, perdido em um labirinto de quatro quartos de madeira, vazios. No começo, entre o chá e o café, devorou quase todos os livros da biblioteca, deixando para trás somente os que foram muito indicados, para ele os livros esquecidos eram mais urgentes.
     Entre um sonho e outro, provou realizações fantásticas: o livro pela metade saiu da imaginação e foi mandado para uma editora; os filmes da lista, já amarelada, foram assistidos e criticados. Tinha quase tudo, e foi o quase que tentou conquistar que acabou com sua paz de histórias projetadas.
     Seu quase cheirava a flor, mas não uma só flor. Cheirava a todas as flores do mundo. E o que mais encantava Pedro, se não essa mistura divina de aromas?
     Cortejou feito um cavalheiro inglês: de cartola e cavalo branco. A dama sorria, desacreditada. Beijo suas mãos macias e se perdeu naqueles olhos de mar.
     Mas o amor é um calvário. Levou a paz, destruiu os livros e apagou os filmes. O amor passou-lhe uma rasteira, a última: "Não amo mais! - Pedro dizia de mãos erguidas, e acreditava.
     Exatamente 3 meses depois, enquanto caminhava despreocupado, o cheiro de café o fez congelar. Levantou a cabeça e segurou o coração: "Não, de novo não!"

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Três caminhos de uma história


"Das pernas entrelaçadas na cama até às 11 horas de sábado, passaram a cobertores separados e noites inteiras no sofá da sala: sozinhos, mesmo tendo um ao outro como companhia. Muda-se a concepção de companhia, o que antes significava conforto, hoje é desesperador incômodo. Ser solidão quando se tem alguém é difícil. Falta coragem de dizer que acabou, sobra esperança de um recomeço que enoja. E as pernas, não mais entrelaçadas, correm descontroladamente para lados opostos. Cheios de culpa, dividem-se entre beijos para manter as aparências e olhares furtivos a procura de outros nas ruas."

Repousou o cigarro no cinzeiro de vidro e o corpo na poltrona. Enfim conseguira escrever um parágrafo inicial para seu romance. Claro, nada pronto, uma ideia sutil, as costas já reclamando da proximidade da morte, o café frio e o whisky quente. Fumou o resto do cigarro numa tragada só, como foram chupadas suas energias de tão pouco tempo pra cá. "Será que o amor é uma certeza ou uma construção?"

Como fora chegar naquele parágrafo, seu já cansado pensamento não podia entender. Talvez, aquele adeus ainda ecoava de formas diferente dentro do que era um coração. "Amor não era certeza, era perigo, era o prelúdio da destruição", pensava enquanto procurava mais um cigarro na velha carteira que comprara não sabia mais quando. Acendendo-o, pensou em buscar mais alguma coisa que anestesiasse a sua alma. Mas não podia... Aquilo era o início não só de um romance, mas de uma dolorosa volta àquilo que, inutilmente, muitos chamavam de lembranças.

Tanto devaneou que o cigarro se desfez, queimando-lhe as pontas dos dedos e obrigando seus olhos cansados a fitarem mais uma vez o parágrafo. Em pensar que todo aquele amor foi idealizado, só saiu de sua cabeça para as folhas mal escritas dos livros que venderam milhares. Tudo platônico. Era escritor famoso e ser humano fracassado. Irritou-se, espalhando os papéis pela mesa: as pessoas leriam, mais uma vez, o que sua falta de coragem não o permitiu realizar, suas mentiras transformadas em poesia...

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O Médico e o Monstro

Já não existia, era só corpo jogado no mundo, tentando inspiração naqueles filmes de auto-ajuda que passavam na televisão abraçada por uma grade que o impedia de mudar o canal; buscava por quês naqueles livros de “ajuda-todo-mundo” que, com seus finais felizes, vendiam aos montes.
Somente caminhava por não conseguir controlar suas pernas; nem em seu próprio corpo mandava mais. Imagina só! Era alma penada, mas sem a alma. Não se expressava, nem sabia se era capaz de sentir.
Não tinha mais nome, mas ainda assim o chamavam pelas ruas: “Doido!” “Louco!” Por vezes, seu nome eram frases, repetidas tantas vezes para que ele não se confundisse mais: “Fique longe, filho!” “Tá vendo? Como pode deixar uma pessoa assim solta por ai!” Mas tinha sorte, casa ele tinha duas; uma era branquinha e para passar as férias, até enjoar ou até que enjoassem dele.
Mesmo sem alma, possuía visão e alguma coisa acelerava, batucando em seu peito, quando ouvia música e, quando assistia o transitar incessante da natureza colorida, sentia o cheiro da chuva, sentia o vento. Sentia! E foi esse sentir que o impediu de se jogar da ponte mais alta da cidade. “Será que a vida muda quando se despenca de uma ponte?” – pensou, e com assombro, descobriu que também era capaz de pensar. Quanto tempo mais esconderiam isso dele?
Tapou as orelhas e ouviu música; fechou os olhos e assistiu a espetáculos maravilhosos, de cores e seres humanos; dançavam e cantavam só para ele. E se todos que fechassem os olhos e os ouvidos por um minuto também pudessem ver? Saiu perguntando, inocente. Ninguém escutou. Tentou fazer com que todos assistissem, eles precisavam ver, isso mudaria tudo; eles deveriam, necessitavam, como poderiam ter vivido sem isso por tanto tempo?
Mas ninguém entendeu, e ele já não podia mais andar pelo mundo. Debateu-se, tentou levar as mãos aos ouvidos, mas aquelas correntes também não entendiam. Não via o sol, já não se debatia, mais uma vez, aceitou.
Até que um dia as correntes se foram e o Sol apareceu pela frestinha da pequena janela, iluminando o branco irritante de seu quarto. Quando saiu, viu tanto iguais a ele: alguns de uniformes ainda mais brancos que as paredes, com copinhos, ofereciam balinha colorida, quanta educação! Parecia o céu! Seria o céu?
Passou por todos os corredores, cumprimento com um aperto de mão o senhor de barba branca que cantarolava sua banda preferida; sorriu para a brancura enjoativa das paredes, reconheceu que estava de férias. Fez poesia, descobriu o amor, cantou com seu cantor preferido, usou a imaginação.

Tentou provar a todos sua força. Mais uma vez tiraram dele a liberdade; mas dessa vez ele entendeu que nunca poderiam tirar-lhe a alma. Só ele foi capaz de fazê-lo, descendo tarde da noite e pedindo socorro as correntes que sempre o prenderam. Dessa vez, elas o libertaram para sempre e, sorrindo, ele cantarolou, pela última vez: “”Yesterday, all my troubles seemed so far away..”