“Todo dia ela faz tudo
sempre igual...” e eu gostaria que isso fosse somente eu, cantarolando mais uma
sucesso do Chico que, aliás, tem aparecido muito das 23 às 5. Mas lá vem ela.
Cada dia com uma face; é multifacetada e gosta disso. Tem cara de livro não
terminado, de ansiedade pré-encontro, de festa que acabou mal, de preocupações
das mais diversas (de trabalhos a amores platônicos). Esses dias aparecer com
cara de ‘que pais estou deixando para meus filhos’, vê se pode!
Como coisa urbana, é
cinza. Mas tem lá seus muros pichados de cores vivas. A insônia faz parte, mas
não é todo dia que ela tem feito arte.
Dia desses, teve a
audácia de me acordar e me oferecer um café. Briguei, contei caminhões na
Avenida, mas desisti e lá fui, com xícara e caderno em punhos. Feito duas
velhas amigas nos abraçamos, ela abriu minha mente e a janela do quarto. No
bloco rabiscado, a luz da Lua fez sua parte e, sem limites, freneticamente,
minhas mãos deram vida a caneta. Aconteceram textos, diários e confissões;
choro, tédio e amores; amores desses que só existem quando o relógio bate as
três badaladas da meia noite e quando, já às 5 da manhã, a neblina desce, o
amor acaba e acaba também a inspiração. Mas a insônia é resistente.
Começa a guerra: agora
ela já não é mais um caso senão de polícia.
Na cozinha, bebendo chá quente, tento
afoga-la. Sem sucesso. Sussurrou todo tipo de besteira em meus ouvidos e nem camomila
diminuiu meus batimentos cardíacos. Imagine você que disparate! Revirei, contei
caminhões, chorei, rezei, até perdoei. E quando, cansada de tanta simpatia para
fazer dormir, pisquei mais forte. E ela, a tal insônia que me chamou de amiga,
tão cansada de mim quanto eu dela, canta Chico e embala meus sonhos: “Apesar de
você, amanhã há de ser outro dia...”
Que Ironia! Deve ser
mesmo um caso de amor.